Monday, January 02, 2006

Marketing Experiencial



“ Touch points – Marketing Experiencial” (*)

Cérebro brilhante que viveu no séc. XVIII, numa época em que não se falava certamente ainda de marketing, Benjamin Franklin, afirmou, a dado momento:

“Contem-me, que eu esquecerei.
Mostrem-me, que eu talvez possa recordar.
Envolvam-me, que eu compreenderei”.

Curiosamente, esta frase contém a essência e o conceito do tema do marketing experiencial.
O ponto de partida é o de que a grande maioria das decisões dos consumidores assume um pendor de raiz marcadamente emocional - estudos empíricos apontam para mais de 85% - pelo que, no sentido de os captar e fidelizar, há que desenvolver experiências de marca que os impactem e envolvam significativamente.
Bernd Schmitt, consultor, e professor da Graduate School of Business, da Universidade de Columbia, acredita que, "estamos bem no meio de uma revolução... que vai tornar obsoletos os princípios e os modelos do marketing tradicional. Uma revolução que vai substituir o marketing tradicional pelo marketing experiencial.”
Alguns economistas têm vindo a debruçar-se sobre esta temática, no que se refere aos domínios e impactos – aliás confluentes com a ciência da gestão e com o marketing – nas teorias da preferência, satisfação, utilidade do consumidor e risco, a nível da microeconomia e, talvez até, do bem estar.
Mas, já em 1925 o economista Jacob Viner (“The Utility Concept in Value Theory and Its Critics”), referia que:
“O comportamento humano em geral e, presumivelmente em consequência, também em relação ao mercado, não é constante e rigorosamente orientado por cálculos hedonistas, mas é o resultado de um instável e irracional complexo de acções reflexas, impulsos, instintos, hábitos, costumes, modas e histerias”.
Anteriormente já em 1871, outro economista, William Jevons, em “The theory of Political Economy”, interrogava-se sobre a racionalidade das decisões humanas e referia, "o complexo instável e irracional das influências não pode ser medido”
e acrescentava, “... hesito afirmar que os homens alguma vez terão os meios para medir directamente as sensações emocionais”.
Mas parece que Jevons estava enganado! Os pensamentos e as sensações podem agora ser avaliados e medidos directamente pelas novas descobertas da neurociência.
É possível estudar o comportamento do cérebro humano, em particular da interacção entre as suas diversas áreas e, neste particular, brilhantes contribuições têm sido dadas por um dos nossos mais eminentes cientistas, o Prof. António Damásio, director do Departamento de Neurologia da Universidade de Iowa, nos EUA, “as emoções constituem as pedras de toque da relevância pessoal”.
É um fantástico novo mundo, no qual a neurociência nos ajuda a melhor compreender o comportamento humano nas suas diversas facetas e ao qual o marketing tem ido beber o que mais se insere nas suas preocupações, o do conhecimento do ser humano enquanto destinatário de mensagens comunicacionais e potencial consumidor.
Como referem ainda os economistas, Colin Camerer, George Loewenstein e Drazen Prelec, em “Neuroeconomics: Why economics needs brains”:

“- Os economistas enfatizam a racionalidade;
- os psicólogos, os limites cognitivos e a sensibilidade às escolhas em determinados contextos;
- os antropologistas, enfatizam os fenómenos de aculturação;
- os sociólogos, as normas e os constrangimentos sociais”

e eu, acrescentaria,
- caberá aos profissionais de marketing a árdua tarefa da conjugação e modelização de todos estes factores com uma acentuada dose de criatividade.

O MARKETING EXPERIENCIAL
A fase mais remota do marketing experiencial terá começado com o “product sampling", já tão antigo quanto a actividade de retalho. Esta actividade - não a querendo subestimar porque continua a ter um papel relevante - pouco mais provoca que um contacto do consumidor com o produto; o “product sampling” passou nalguns casos a ser integrado com a realização de eventos. Aqui, tenta-se propiciar a experimentação do produto com a criação de um ambiente potencialmente favorável à marca.
O marketing experiencial, corresponde a uma fase mais desenvolvida e integrada do conceito, passa:
- pela criação de uma atmosfera favorável no local de venda e despoletadora de reacções sensitivas positivas;
- pela experimentação de um produto;
- pela existência de um serviço adequado aos diversos clientes que os possam envolver, preferencialmente, com os valores da marca;
- passa, ainda, pela possibilidade do que eu chamaria de “cross-product sampling”, através do qual o consumidor/cliente, usufruindo de um determinado serviço que previamente escolheu, é confrontado com a oferta/experimentação de um outro produto/serviço, até de outra marca, de outra empresa, que com o primeiro se inter-relaciona. Citando como exemplo simples, já diversas vezes realizado em Portugal, a ligação p.e. de um hotel a um rent-a-car.
Em síntese, o marketing experiencial, envolve uma gestão integrada e holística da marca, conducente à criação de experiências emocionais nos consumidores ou clientes, assegurando-se a coerência necessária para suscitar recordação.
Este processo pode ser optimizado se passar por uma adequada segmentação comportamental, selecção e optimização dos alvos, de forma a que as experiências criadas – à partida tendo em atenção esses comportamentos e expectativas - venham a ser, de facto, relevantes para esses consumidores, de modo a poderem ter uma maior probabilidade de êxito posterior, mensurável e traduzível em compras efectivas.
Bernd Schmitt, autor do livro “Experiential marketing”, condensa o conceito referindo que há 4 diferenças básicas entre o marketing tradicional e o experiencial:
1. Focaliza-se nas experiências do consumidor, isto é as experiências substituem os valores funcionais;
2. Encara o consumo como uma experiência holística. Ele exemplifica dizendo que o novo profissional de marketing não deve pensar apenas shampoo, creme de barbear ou no secador de cabelo, mas sim na “sessão de beleza e bem estar em torno do banho” e como se pode melhorar essa experiência;
3. Compreende que os consumidores são seres racionais e emocionais;
4. Utiliza métodos e ferramentas de forma ecléctica, diversificados e multifacetados, isto, é não é dogmático quanto às metodologias, desde métodos analíticos, quantitativos, qualitativos, como intuitivos, verbais, visuais pela observação quer em laboratório quer no teatro da vida real. Devem estes métodos ser ideográficos (desenvolvidos para uma situação específica), em vez de nomotéticos (em que há um formato padronizado para todos os entrevistados).
A presença da preocupação experiencial é já latente em formas de comunicação/campanhas e lojas de algumas marcas, em que se pretende principalmente reflectir ambientes e não propostas comerciais de hard-selling (Nike stores, Sephora, Apple ou as novas lojas da TMN).




Como já referi, todas as experiências apontam para que a larga maioria das decisões dos consumidores se situa não no foro do racional, mas no foro do emocional.
Cremos que no processo de construção e fortalecimento das Marcas, o marketing experiencial, que pretende envolver emoções, a razão e os sentidos, não constituirá assim uma moda, mas um imperativo do marketing do séc.XXI.
Citando alguém cujo nome, lamentavelmente, não me ocorre, “É necessário criar experiências que façam acelerar o ritmo cardíaco. As pessoas necessitam de sensações. Sem emoção, um produto é somente um produto ”.
O famoso neurologista canadiano Donald Calne, professor e director de unidade de investigação do Hospital de Vancouver, refere que, “a diferença essencial entre a emoção e a razão, é que a primeira leva à acção e a segunda a conclusões”.
Más notícias para uns, que intitularia de “demasiado racionalistas”, boas notícias para outros, a que eu chamaria de... “seres humanos”. Afinal, não obstante o primado da racionalidade humana, é bom que não sejamos máquinas pré-programáveis, e que o domínio das emoções nos caracterize igualmente e esteja bem presente no nosso complexo decisional.






TOUCH POINTS-EXPERIÊNCIAS
Para que as marcas sejam mais eficazes na sua relação com os alvos pretendidos, têm de ser relevantes, pertinentes e com capacidade de interagir, positiva e emocionalmente com o consumidor, através de uma consistência e coerência em todos os pontos de contacto, os “touch points”.
Isto é, num mundo de “commodities”, a diferenciação é cada vez mais difícil e o próprio consumidor procura novas sensações, novas experiências. Tomar um café numa “vending machine” não é certamente o mesmo que o tomar num ambiente mais agradável, seja num Starbuck´s, num Cup & Cino ou num Magnólia. E o valor percebido pelos consumidores é certamente maior, porque muitos até estão dispostos a pagar mais por isso!
Novas oportunidades estão assim a despontar e as marcas mais capazes e vencedoras serão certamente as que dessa realidade se aperceberem e tiverem para ela a resposta certa. Então, uma questão se levanta, para que essa resposta seja adequada e eficaz, há que continuamente encontrar novas formas de entender os interesses dos consumidores, como eles variam ao longo das suas vidas, situações e ambientes, como se processa o seu mecanismo de decisão em cada momento, quais os fundamentos mais profundos dessa decisão.
Mas porquê?
Por vezes muitos de nós, analistas de mercado ou utilizadores das pesquisas mais tradicionais, somos confrontados com conclusões de estudos que não nos ajudam muito, para além de constatarem o que parece óbvio mas que, na realidade, não explicam verdadeiramente os mecanismos de reacção e decisão do consumidor. Por isso, casos há em que aparentemente tudo foi seguido “by the book”, quero dizer, devidamente testado, planeado, estudado e apòs o lançamento do produto verifica-se o seu insucesso e não apreciação dos consumidores, quando tudo parecia apontar antes para o contrário.
Dizia Einstein: “not all that can be counted counts and not all that counts can be counted”.
Uma das razões para o por vezes insucesso destes lançamentos no mercado, poderá ser, o não se ter devidamente conseguido perceber como o consumidor reage, prefere, decide.
Kevin Roberts, Presidente mundial da Saatchi & Saatchi, que recentemente esteve em Portugal, refere no seu último livro “LoveBrands”, “a pesquisa de mercado precisa sobretudo ajudar-nos a descobrir o que não sabemos que não sabemos”. Afirma ainda que: “precisamos considerar a vida das pessoas como um todo, as suas esperanças e sonhos, seus medos, o que amam, odeiam, necessitam e querem. O que as incomoda. Precisamos entender o que tem significado e importância para elas, não apenas o que compram e usam”. E, finalmente, “Não faz sentido medir a emoção com os métodos tradicionais. São necessários novos métodos. Se desejar entender como um leão caça, não vá ao Zoo, vá à floresta”.
Conclui o autor, atendendo aos processos emocionais comprovados do consumidor e da decorrente melhor forma das marcas se poderem afirmar perante eles, “All you need is love”, isto é, a forma de uma marca se afirmar perante um consumidor é conseguir criar um ambiente de Mistério, Sensualidade, Intimidade.
- o Mistério tem a ver com o passado, o presente e o futuro da marca, melhor potenciado caso haja uma verdadeira história a contar
- Sensualidade, através do efeito criado pela afectação dos 5 sentidos:
. Audição (o “Intel Inside”; o ruído de um Ferrari, ou da ligação de telemóvel Nokia)
. Visão (a garrafa e a cor vermelha e branca da Coca-Cola, verde Benetton)
. Olfacto (McDonald’s, Singapore Airlines)
. Tacto (B&O)
. Paladar (Coca-Cola)
... na senda aliás dos trabalhos desenvolvidos por um dos actuais gurus do branding, Martin Lindstrom – sobre o qual, aliás, recomendo a leitura do seu livro “Brand Sense”, ele aponta para a necessidade das marcas efectuarem não uma USP, mas uma HSP, “Holistic Selling Proposition”.
- Intimidade, através do efeito conseguido de Compromisso, Empatia e Paixão (Harley Davidson)

O NEUROMARKETING
Qual o papel do neuromarketing neste contexto?
O neuromarketing consiste em observar a actividade do cérebro humano, através da estrutura de funcionamento dos neurónios, quando exposto a diversos estímulos externos, identificando desta forma os padrões utilizados pelo consumidor para avaliar uma marca, produto, etc. Com a utilização de equipamentos de ressonância magnética, procura identificar como as pessoas sentem e que não é revelado através da pesquisa efectuada por questionários, entrevistas ou focus groups.
O que distingue o neuromarketing de outras técnicas de investigação, é o facto de não se questionar o indivíduo, mas o seu cérebro, evitando-se assim certos enviesamento; o seu objectivo, é o de compreender como o cérebro pensa, sente e motiva o comportamento de compra. Por outras palavras, é analisar a percepção do consumidor e o processo através do qual o cérebro organiza, codifica, integra, e utiliza a informação recebida.


Anette Asp, cordenadora de pesquisa de neuromarketing, California Institute of Technology



A pesquisa em neuromarketing é ainda caracterizada pela possibilidade de poder, idealmente, correlacionar hipóteses acerca de certos mecanismos e áreas do cérebro (como a localização e activação), com variáveis intermédias não observáveis (como a utilidade, as crenças, o planeamento futuro) e ainda com o comportamento observável (como as escolhas).
Algumas organizações têm sido pioneiras na utilização desta técnica de Magnetic Ressonance Imaging (Imagiologia da Ressonância Magnética), como a Universidade de Harvard, nos fins dos anos 90; a consultora Brighthouse, de Atlanta, em 2001; a Emory University, também de Atlanta e o Caltech/California Institute of Technology.
Algumas empresas, nos EUA, no Reino Unido, na Alemanha, já utilizaram a mesma tecnologia, através daqueles centros de investigação, no sentido de melhor compreender o que move os consumidores. Exemplo disso, são, as conhecidas Coca-Cola, Delta Airlines, a Daimler-Chhrysler-Benz, a Ford e a Home Depot (o maior e mais bem sucedido gigante americano do retalho, de móveis e artigos para casa).
Esta nova técnica tem gerado, por outro lado, alguma polémica por parte de algumas organizações, certamente infundada visto que, à semelhança de outros estudos de mercado, se pretende melhor conhecer o consumidor, não se vislumbrando sequer a possibilidade de o influenciar posteriormente através dos meios utilizados, detectando como diriam os americanos qualquer “buy-button” no cérebro.
Contudo, alguns receios têm sido explicitados, no que respeita à utilização destes meios por parte de empresas produtoras de produtos considerados não recomendáveis, como o tabaco, álcool, fast food; ou de utilização para fins políticos totalitaristas; ou ainda para a promoção da degradação de valores, como a violência, a dependência da droga, pornografia e outros comportamentos anti-sociais.
Certo que todos somos influenciáveis pela multiplicidade de mensagens que nos rodeiam, provenientes dos mais diversos emissores, dos mais diversos meios. Mas não é por isso que deixamos ou não sejamos capazes de poder exercer uma escolha livre!
Conhecer o consumidor continua a ser, pois, a obsessão do profissional de marketing, com o objectivo de efectuar uma adequada segmentação, que interiorize as suas novas formas de comportamento, cada vez mais cambiantes face à multiplicidade de situações a que é exposto. Só assim, o profissional do marketing e da gestão – na realidade nós todos - pode contribuir para o melhor ajustamento da oferta às necessidades dos seus clientes.

CONCLUSÃO
É talvez por tudo isto que o marketing é uma área excitante e envolvente. Uns, quererão situá-lo na área mais racional das ciências. Outros, nas áreas mais criativas da arte.
Na minha opinião, não há marketing sem ciência, mas também não há marketing sem arte. Aqui está o belo da questão... a interacção criativa entre os dois domínios. Afinal não corresponderá isto à essência a ao que há de mais rico no ser humano?
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(*) Carlos Manuel de Oliveira
(Súmula da introdução ao Congresso Internacional de Marketing, VII Semana Nacional de Marketing. APPM, Estoril, Novembro 2005)

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