Tuesday, August 06, 2002

Marcas, o 5º Poder

1.Como é que chegaram ao tema “Marcas, o 5º poder”? Porquê a escolha deste tema para a edição deste ano da Semana Nacional do Marketing (SNM)?
A “marca” assume, actualmente, um papel de absoluta relevância na gestão e no sucesso das empresas.
O conjunto de percepções, objectivas e subjectivas, que o consumidor tem dos diferentes produtos/serviços leva-o a efectuar opções, em função das características e da relevância que atribui às respectivas marcas.
Os consumidores, em particular alguns segmentos específicos, mesmo que por vezes inconscientemente, fazem as suas opções de compra perante experiências emocionais expectadas, de partilha, de pertença a determinados grupos sociais ou comportamentais, de estilos de vida reais ou desejados.
As escolhas são feitas com base em sensações esperadas após esses actos de compra: “sentir-se masculino”, “sentir-se feminino”, “diferente”, “sofisticado”, “jovem”, “socialmente responsável”. Estes estilos de vida, claramente assumidos ou não, “condicionam” essas opções.
Conhecendo o mercado, as marcas melhor geridas procuram um posicionamento adequado a estes comportamentos dos consumidores e aos seus próprios objectivos, de forma a que o valor da marca se vai tornando cada vez mais intangível, sendo que nalgumas das mais importantes esse “goodwill” intangível ultrapassará os 50% do valor total da empresa proprietária da mesma.
Decorre do que referi que, então, a gestão da marca, para além de um fenómeno perfeitamente actual é dos mais importantes e desafiantes para todos os marketeers, os quais assumem um papel particularmente importante, já que deverão ser – os pilares da definição estratégica e da gestão das marcas, conducente à afirmação destas no mercado.
O referido julgo que justifica, plenamente, a escolha deste tema para a Semana Nacional de Marketing e, em particular para o Congresso Português de Marketing, deste ano.

2. Porquê a atribuição do estatuto de 5º poder às marcas?
A sociedade actual está organizada, como é sabido, segundo três poderes fundamentais: o legislativo, o executivo e o judicial.
É já hoje comummente aceite que a força dos media, em especial a televisão vieram, senão alterar esta macroestrutura do poder instituído, pelo menos criar uma nova relação de forças, em que estes têm uma elevada capacidade de influência da opinião pública e dos próprios órgãos de soberania.
Na segunda metade do século XX e, mais marcadamente no início do século XXI, com os fenómenos de internacionalização e globalização dos espaços económicos, começam a emergir marcas mundiais, assistindo-se ao aparecimento de um novo poder -– um 5º Poder - que ultrapassa todas as fronteiras, incute hábitos de padronização nas gerações de todos os países, tendo a capacidade de influenciar decisões económicas, executivas e judiciais: as marcas comerciais.

3. O mercado português está hoje a ser penalizado pelo facto de muitas empresas, referentes a vários sectores de actividade (com destaque para a têxtil), terem demonstrado, durante anos a fio, uma total despreocupação com a criação de marcas. Para aquelas que sobreviveram, os dias de hoje representam uma verdadeira prova de fogo?
De facto, essa é a verdade para a maior parte dos casos e estará ligado às origens do nosso tecido industrial, à dimensão das unidades produtivas e às preocupações de gestão, fundamentalmente centradas na cadeia produtiva e na qualidade de fabrico.
Assiste-se, em consequência que, não obstante a qualidade de produção das nossas têxteis, muitas das fábricas encontram-se agora vocacionadas para a elaboração de produtos de marcas multinacionais, logo tendo a capacidade para respeitar os standards de qualidade internacional, mas estando a laborar sem marca própria.
Desta forma, estas empresas têm de trabalhar numa óptica de “low cost producer”, mas sem a possibilidade de alargarem o valor acrescentado correspondente à sua produção, não podendo alavancar um valor ligado a uma marca própria, caso ela existisse e se afirmasse no mercado.
A questão que coloca é, de facto, fundamental porque introduz a problemática do actual valor das empresas que se centra cada vez mais na marca, como activo intangível, mas que nalguns casos é responsável, como referi, por mais de 50% do valor das empresas.
É esta para o marketing e para a sua gestão uma questão crucial. O que está feito, está feito, tratando-se agora de trabalhar para fazer ver, e criar condições, a essas empresas a importância deste factor para o seu desenvolvimento e afirmação no mercado.
Começa, no entanto, a haver em Portugal algumas excepções, talvez numa primeira fase na sua afirmação nacional, mas com alguma capacidade também de afirmação no estrangeiro. Não serão, lamentavelmente, muitos os casos mas espero que se torne numa tendência de conscencialização e de crescimento.


4. Já tem alguma indicação relativamente às temáticas a serem abordadas na SNM, bem como oradores convidados?
As temáticas a serem abordadas já estão definidas e giram em torno dos seguintes temas: a avaliação do valor das marcas; a força das marcas; inovação, diversificação e internacionalização das marcas; valores das marcas de origem; marcas e valores.
Pretendemos dar uma perspectiva abrangente da gestão da marca, nos seus aspectos estratégicos, da sua avaliação, inovação, diversificação, posicionamento, comunicação e, noutra perspectiva complementar, a importância que os valores sociais, de cidadania e inserção nas comunidades, têm para a própria valorização dessas marcas. Naturalmente, que estas questões serão ilustradas por casos de marcas portuguesas e multinacionais.
Quanto aos oradores convidados, gostaríamos de os anunciar um pouco mais tarde, não obstante já dispormos da maior parte das confirmações.

5. A edição deste ano da Semana Nacional de Marketing conta com sponsors “de peso”. De que forma é que as respectivas entidades vão apoiar o evento e qual o seu envolvimento nas várias iniciativas?
Na realidade, os sponsors a que se refere da Semana Nacional de Marketing, são os sponsors oficiais da APPM, – CP Proximity, CTT, Oracle, TMN, Unibanco, Unicer, assim como o patrocínio da PT Comunicações, com os quais estabelecemos um acordo de parceria anual. Desta forma, todos são verdadeiramente patrocinadores dos diversos eventos que levamos a cabo ao longo do ano.
Estes acordos de parceria prevêem um conjunto de contrapartidas de um apport financeiro que os mesmos nos concedem. Asseguramos, assim, parte do financiamento das nossas acções, desenvolvendo com cada um deles algumas iniciativas próprias mais adequadas aos interesses mútuos bilaterais.

6. Qual o total da verba proveniente da sponsorização?
Terá de me desculpar, mas a revelação pública dessas verbas não está prevista nos nossos acordos de parceria, pelo que se o fizéssemos poderíamos estar a ferir alguns dos nossos parceiros.
De qualquer forma, gostaria de dizer que se tratam de verbas significativas, atendendo à s necessidades de financiamento que temos para viabilizar a realização de todas as nossas iniciativas.
Uma associação do tipo da nossa, que federa fundamentalmente indivíduos, não terá normalmente capacidade de sobrevivência, caso subsista unicamente com as contribuições efectuadas através das quotas desses sócios.
7. A APPM avança com outros projectos da associação, tais como a elaboração de um código deontológico, levantamento das funções de marketing e a certificação do exercício da actividade profissional. Trata-se de uma lacuna/necessidade detectada no mercado?
Trata-se efectivamente de uma lacuna, em áreas que nos são afectas e sobre as quais temos, em meu entender, a responsabilidade social, perante os nossos associados e o mercado, de produzir trabalho.
A elaboração do código deontológico é um tema importante para os profissionais de marketing. A APPM encontra-se neste momento, no âmbito do seu plano de acção para o biénio, a elaborar o código deontológico dos “marketeers”.
Como disciplina abrangente, o marketing - numa perspectiva global e estratégica da gestão – deverá dispor, em meu entender, de um conjunto de normas de conduta que enquadre a actividade dos profissionais de marketing. Estes, confrontam-se no quotidiano com questões deste tipo, pelo que considerei como prioritário a APPM vir a assumir uma posição relevante neste domínio, não obstante o papel desempenhado por diversas organizações sectoriais, designadamente a nível da publicidade e da comunicação.
O levantamento sistematizado das funções actuais de marketing, as posições/cargos ocupados pelos profissionais, a própria inserção do marketing e da sua gestão nas empresas, constitui um tema essencial, sobre o qual nos vamos debruçar.
Julgo que este trabalho de compreensão da realidade actual, é essencial para se avaliar do ajustamento dos esquemas de formação, académica e profissional, às diversas necessidades do mercado e também prévio ao desenvolvimento de um outro projecto que com este confina, o da certificação da actividade de profissional. Este último é um projecto razoavelmente complexo e longo.
Estamos a dar os primeiros passos. Começaremos por efectuar um estudo a nível nacional das actuais funções do marketing e da tipologia de desempenho dos profissionais. Somos o representante nacional e membro principal da Confederação Europeia de Marketing, EMC, a qual está também neste momento a encetar um projecto neste âmbito, a nível europeu. A EMC tem igualmente ligações com a WMC, World Marketing Confederation, o que lhe aporta uma perspectiva global e internacional da questão.
Julgamos estar, assim, bem posicionados e numa situação única para assumir estas responsabilidades, devido ao nosso estatuto em Portugal e às nossas ligações internacionais.
Trata-se, no entanto como referi, de um dossier complexo, carecendo de estudos e de diálogo com os agentes económicos, com as universidades e com as autoridades nacionais, nomeadamente com os ministérios do emprego, da educação, da economia e com as autoridades europeias.

8. Na sua opinião, a actividade dos profissionais de marketing não está, actualmente, devidamente regulamentada ou até mesmo protegida?
Julgo que a resposta terá de ser globalmente negativa. Não me parece, contudo, demasiado relevante a questão da protecção. Julgo, sim, que há sempre interesse em se terem as regras do jogo do exercício da função, o mais clarificadas possível. E quanto a isto julgo que já lhe terei respondido, a propósito da questão do código deontológico e do projecto de certificação.

9. Algum outro projecto da associação que queira destacar?
Gostaria, também, de referir outras iniciativas que recentemente levámos a cabo, ou que iremos brevemente dar início.
A organização de eventos públicos, para os nossos associados e não só, foi estruturada em torno de um conjunto de conceitos que são os seguintes: Acordar com o Marketing, Encontros do Marketing, Semana Nacional de Marketing, Núcleos e Encontros Sectoriais, Marketing Awards e Publicações.
Quanto ao Acordar com o Marketing, teremos já um próximo evento no dia 25 de Setembro, em Lisboa, com o Secretário de Estado do Turismo, Dr. Pedro Antunes de Almeida, sobre o Marketing do Turismo. Trata-se de um pequeno almoço, tipicamente das 9 às 11h., onde o convidado faz uma alocução, seguindo-se de um debate sobre o tema.
A estrutura de núcleos sectoriais pretende congregar profissionais de diversos sectores de actividade, como forum de discussão e tratamento de temas de interesse comum à respectiva actividade. Foram recentemente realizadas as duas primeiras reuniões com responsáveis de cursos e escolas do ensino superior.
Uma novidade absoluta e que reputamos de muito interessante é o do Portugal Marketing Awards. Este projecto encontra-se em fase de lançamento e visa premiar as melhores performances a nível dos profissionais portugueses. Brevemente, daremos a devida divulgação detalhada desta acção. Levantando só um pouco o véu, diria que esta acção está ligada a outra também novidade, o European Marketing and Sales Awards, iniciativa europeia a que iremos estar também ligados.

10. Os tempos que correm constituem um verdadeiro desafio para todos os gestores e profissionais de marketing. Sem se esquecerem que o seu trabalho é contínuo, quando é que prevê que estes profissionais poderão “suspirar de alívio”, passo a expressão?
A Única resposta possível é, nunca!
O processo de inovação, de mudança e de necessidade de adaptação constitui hoje um fluxo contínuo, que não para.
Não podemos mais julgar – nós profissionais do marketing e da gestão – que estando a realidade a mudar, o que temos a fazer é um estudo de mercado, avaliar os interesses dos consumidores e, nalgum momento no futuro, lançar um novo produto ou serviço.
As coisas mudam tão depressa que, provavelmente, se lançarmos um estudo de mercado feito em moldes tradicionais, quando daí retirarmos as conclusões, a realidade já não é a mesma e teremos de reformular tudo.
Em consequência, a postura que estes profissionais têm de adoptar é a da “vigilância permanente”, perante os consumidores, os concorrentes que poderão aparecer de todos os lados, numa forma de concorrência tradicional ou não e estarem também atentos às mudanças de enquadramento legislativo, os quais nalguns casos obrigam à reformulação total dos modelos de negócio.
Assim, será de esperar que um profissional de marketing suspire de alívio – momentâneo, contudo – quando verifique que conquistou mais um cliente ou aumentou o seu “share of heart” do mesmo. No entanto, cada vez mais que estas conquistas têm um carácter muito temporário, carecendo de um cuidado e gestão permanentes, para que esse mesmo cliente não encontre, seguidamente, outras propostas de valor mais apetecíveis.
Na maior parte dos casos, quanto mais intensa e profícua é a relação que uma empresa estabelece com um cliente, menos provável é que ele queira abandonar a relação. Afinal, será um pouco como as relações sentimentais. Quanto mais permanente é a satisfação, a descoberta e o desafio da relação, maior será a probabilidade que ela perdure. Até porque, o ser humano tem sempre alguma resistência à mudança e se se sentir compensado e satisfeito, encarará a mudança como um esforço suplementar, dificilmente compensado.
Confesso que tenho uma grande tendência para, com as devidas diferenças, comparar a relação entre uma empresa e o seu cliente, com a relação de amizade que se estabelece entre dois seres humanos. Terá de ser um processo bilateral, em que cada um deverá atender aos interesses do outro, para que as coisas corram bem.
Como tenho uma perspectiva muito pessoal sobre a amizade, julgo que nunca deveremos decepcionar os nossos amigos e nunca deveremos “suspirar de alívio”, esperando que já fizemos o suficiente para a relação perdurar.

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Carlos Manuel de Oliveira
Entrevista ao jornal Vida Económica, 6 de Agosto de 2002

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