Tuesday, December 02, 2003

Marketing Sustentavel, Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial

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MARKETING SUSTENTÁVEL, RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA EMPRESARIAL (*)


(“Há um elevado nível de sensibilidade, mas um reduzido nível de comportamento” (Martin Charter, professor, coordenador do “Centre for Sustainable Design, Reino Unido)

(“Não estamos a pedir às empresas para fazerem algo diferente da sua actividade normal; estamos a pedir-lhes que façam a sua actividade normal de forma diferente” (Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU)


O marketing, como forma de gerir as empresas com ênfase especial no consumidor, tem a responsabilidade social de encontrar soluções que satisfaçam os agentes económicos e, no caso particular, os desejos de consumo imediato dos consumidores/cidadãos, mas também – e, até na plena conformidade com o topo da pirâmide de Maslow – os seus desejos e interesses de uma vida saudável, de qualidade e de futuro para as gerações vindouras.
A preocupação com estes temas tem constado das agendas de diversas organizações internacionais, desde as Nações Unidas à União Europeia, até a instituições privadas da área do marketing que, em diversos congressos e conferências, têm vindo a debater a responsabilidade social e a sustentabilidade do marketing e a sua relação com a qualidade de vida, num exercício de conscencialização da importância desta temática, num mundo em que a poluição ambiental e o desordenamento do espaço vão proliferando, ao sabor de interesses mais imediatistas e sem visão de futuro.
O desenvolvimento – o marketing – sustentável, trata da satisfação das necessidades dos presentes sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem as suas. Segundo Jacqueline de Larderel, directora da United Nations Environment Programme (UNEP), “o consumo sustentável não significa consumir menos, mas consumir de forma diferente, eficiente e com uma qualidade de vida cada vez maior”.
O marketing sustentável é um novo e alargado conceito de gestão que focaliza a acção na prossecução de objectivos que levem à criação, produção e distribuição de soluções sustentáveis, com um mais elevado valor sustentável, a par da contínua satisfação dos consumidores e de todos os stakeholders do negócio, defende Martin Charter.
O desenvolvimento sustentável e a cidadania empresarial não são uma opção, mas uma necessidade que cada dia se torna mais premente. Neste contexto, o papel estratégico e indissociável do marketing é uma peça-chave para a resolução do problema, tendo de estar na base da concepção dos novos produtos, dos canais de distribuição a utilizar, das formas de comunicação com o mercado, da imagem e da reputação empresarial, do comportamento do consumidor.
Segundo o professor Fuller, da Universidade da Florida, “Sustainable marketing: an overview”, “o marketing sustentável assume que o ecosistema é um dos clientes que são parte de qualquer transacção, no mundo competitivo empresarial”. Desta forma, requere-se que as actividades de produção e consumo sejam compatíveis com o ecosistema em que se desenvolvem.
O objectivo de um qualquer negócio é o de trazer benefícios e satisfação aos clientes, através dos produtos que estes compram e consomem. As decisões de marketing, ao determinarem quais os diferentes atributos que os produtos deverão assumir, têm como consequência a criação de níveis progressivos de desperdícios, os quais geram poluição. Assim, as decisões estratégicas de marketing são fundamentais na concepção de produtos de mínimo desperdício e de sistemas de produção que estejam ao serviço da redução, ou mesmo da eliminação da poluição.
O conceito de marketing sustentável deriva e deverá estar ao serviço do desenvolvimento sustentável, termo este que foi lançado em 1987 pela Comissão Bruntland (World Comission on Environment and Development). Foi então afirmado que o principal objectivo do desenvolvimento sustentável é criar sistemas de consumo que mantenham ou se regenerem indefinidamente sem provocarem, ao longo do processo, a degradação do ecosistema. Para que isto se verifique, os recursos naturais – bens públicos – terão de ser encarados como activos relevantes e não como bens livres.
O conceito de marketing sustentável foi criado, em 1995, por Jagdish Seth e Atul Parvatiyar, como uma forma de conciliar factores económicos e ecológicos, através de uma melhor concepção de produtos ao seu serviço. Desde aí, diversos termos têm sido referidos como marketing verde, marketing ambiental, marketing ecológico ou eco-marketing.
Pretende-se, contudo, que este conceito tenha uma abrangência global e estratégica a nível de toda a empresa. Oprofessor Fuller define-o como “… o processo de planear, implementar e controlar o desenvolvimento, o pricing, a promoção e a distribuição de produtos, de forma a satisfazer três critérios: a satisfação das necessidades dos consumidores; a prossecução dos objectivos organizacionais e o processo de compatibilidade com o eco-sistema”. Acrescenta ainda que o conceito de sustentabilidade pressupõe, numa óptica de mensuração dos resultados, a consideração da “utilidade ecológica” para o cálculo do respectivo valor acrescentado da produção.
Desta forma, o impacto deste tipo de estratégia para a empresa ou organização não se limita a estas encontrarem as melhores formas de eliminar os efluentes poluentes e de tentarem compensar a sociedade por isso mas a redesenharem as suas estratégias e os seus processos de produção de forma a não criarem, à partida, produtos que conduzam à proliferação de matérias poluentes.


Marketing sustentável e cidadania empresarial

O marketing sustentável enquadra-se numa estratégia de cidadania empresarial, no seu conceito mais amplo, em que a empresa entende e assume como estratégica a boa gestão dos seus recursos e da sua inserção na sociedade. Neste contexto se situam as estratégias ambientais e de procura de processos não-polutivos, mas também de participação social activa no meio que a envolve e ainda uma adequada gestão dos recursos humanos ao seu serviço, numa perspectiva da sua valorização e entendimento que a diferenciação se fará, cada vez mais, através da capacidade de encontrar processos de gestão da inteligência, do conhecimento e dos talentos.
O conceito de marketing sustentável tem, em consequência, de ser visto face a esta nova realidade, bem mais larga que uma das suas primeiras formas, o então chamado marketing verde.

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CAIXA 1 – ÁREAS DE IMPACTO DA PROSSECUÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA DE MARKETING SUSTENTÁVEL

- Missão e objectivos da empresa
- Localização e acessibilidade da empresa
- Pesquisa de mercado e satisfação das necessidades dos clientes
- Design do produto e do serviço. reengenharia de produtos e processos
- Poluição e agressão ambientais
- Procura de vantagens competitivas
- Processo de fabrico
- Utilização de recursos renováveis
- Qualidade dos serviços em torno do produto
- Consumo de energia
- Segurança dos processos, interna e ambiental
- Embalagem e etiquetagem
- Pricing
- Armazenamento
- Canais de distribuição
- Comunicação/informação ao mercado
- Possibilidade de re-utilização e reciclagem
- Manutenção
- Serviço ao cliente
- Políticas de gestão, formação e informação de recursos humanos
- Relação parcerias/patrocínios e participação no meio social e actividades comunitárias
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A importância do marketing sustentável

Sustentabilidade pressupõe uma visão de longo prazo. As práticas actuais de algumas empresas e a conscencialização de alguns consumidores leva a pensar que será possível obter vantagens competitivas, através da implementação de práticas de marketing sustentável.
Por outro lado, a conformidade com algumas normas de carácter de protecção ecológica já se traduzem em custos significativos que afectam os resultados de algumas empresas.
A continuição da degradação ambiental tem, mais cedo ou mais tarde, um impacto directo sobre as pessoas, pelo que a prossecução de um crescimento sustentável é também uma forma de auto-preservação pessoal e da própria sociedade.
Mas um conceito de crescimento sustentável pressupõe a actuação conjugada – idealmente - e coerente dos vários agentes económicos e sociais. Se o Estado deverá ter um papel regulador e licenciador de obras e projectos atendendo aos seus impactos futuros e as empresas deverão seguir estratégias de marketing e desenvolvimento sustentável, também os cidadãos/consumidores deverão estar alerta e actuar de forma a facilitar o bom prosseguimento dos objectivos desejados.
Também neste campo a UNEP tem desenvolvido alguns esforços de sensibilização, por exemplo através da publicação “Protejamos o nosso planeta”, editada aquando da realização da Semana do Desenvolvimento Durável”, a qual refere alguns conselhos práticos a ser seguidos por uma família que defenda a durabilidade do planeta.
Uma situação carece de reflexão e alteração. Solange Montillaud-Joyel, da UNEP, num seminário realizado em Outubro em Bruxelas, referia que há necessidade de quebrar um círculo vicioso: um baixo grau de conscencialização por parte dos consumidores, conduzindo a um baixo retorno do investimento das empresas que, ao mesmo tempo, conduz a uma limitada sustentabilidade e a uma subsequente reduzida ênfase no valor acrescentado, empresarial e social, como a melhor qualidade de vida.


Algumas medidas institucionais

Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas, lançou em 1999, uma estrutura no âmbito da organização “Global Compact”, iniciativa que visa promover a cidadania responsável nas áreas dos direitos humanos, condições de trabalho e ambiente e cuja visão é a da “construção de um processo de glabalização sustentável”. Esta estrutura engloba, actualmente, mais de mil empresas em todo o mundo, organizações não-

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CAIXA 2 – OS NOVE PRINCÍPIOS DA GLOBAL COMPACT

Os nove princípios derivam e estão de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Declaração da Organização Internacional d Trabalho sobre os Princípios Fundamentais e Direitos do Trabalho e a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Ambiente e o Desenvolvimento.

DIREITOS HUMANOS
1. As empresas deverão apoiar e respeitar a protecção dos direitos humanos internacionais, dentro da sua esfera de influência.
2. Assegurar que as empresas não violem os direitos humanos.

TRABALHO
3. As empresas deverão permitir a liberdade de associação e o reconhecimento efectivo do direito dos acordos colectivos.
4. A eliminação de todas as formas de trabalho forçado e compulsivo.
5. A abolição do trabalho infantil.
6. A eliminação da discriminação respeitante ao emprego e aos postos de trabalho.

AMBIENTE
7. As empresas deverão adoptar uma perspectiva cautelosa quanto aos desafios do meio ambiente.
8. Levar a cabo iniciativas para promover uma maior responsabilidade face ao meio ambiente.
9. Encorajar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias amigáveis para o ambiente.
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governamentais, universidades, confederações de comércio e outros actores económicos. O relatório da Global Compact para o período de Julho 2002 a Julho 2003, refere a estratégia da organização para os próximos anos: a focalização no diálogo através da realização de forums dos diversos stakeholders, com o objectivo de identificar problemas e encontrar soluções; convite às empresas para fazerem constar dos seus relatórios as acções que tenham tomado de suporte aos objectivos da organização; preparação de exemplos e case studies que possam fundamentar a elaboração de futuros business cases.

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CAIXA 3 – A GLOBAL COMPACT E PORTUGAL
A Global Compact foi apresentada em Portugal, em Maio de 2003, numa conferência europeia sobre concorrência, organizada pela Associação Portuguesa para a Responsabilidade Social das Empresas, parceira da congénere europeia. Face ao papel da língua portuguesa no mundo, a Global Compact está a encorajar o desenvolvimento do Global Compact Network Portugal e de um site em português, com o objectivo de incentivar as empresas e as escolas superiores de negócios interessadas na troca de ideias e de experiências relacionadas com a implementação dos princípios da organização.


Os desafios para um marketing sustentável. E o futuro?

As empresas, para prosseguirem uma estratégia de marketing sustentável, deverão avaliar os impactos sociais e ambientais das suas estratégias de negócio. Isto significa repensarem o seu portfólio de produtos e serviços, assim como os seus canais de distribuição e comercialização.
Cabe aos profissionais de marketing assegurar que as suas estratégias e decisões, no âmbito das suas responsabilidades empresariais, estão de acordo com as normas de cidadania e responsabilidade social desejáveis.
Segundo Martin Charter, Ken Peattie, Jacqueline Ottman e Michael Polonsky, “Marketing and Sustainability”, os profissionais de marketing estão a debater-se com algumas novas questões nem sempre de fácil solução. “Quais os benefícios da incorporação das questões ambientais, sociais e éticas, nas decisões quotidianas das empresas? Como poderão as empresas identificar e tirar o máximo proveito das novas oportunidades trazidas pela temática da sustentabilidade? Como poderão as empresas lidar com estes assuntos sem ser acusadas de demasiada superficialidade ou aproveitamento, em seu único benefício, desta “nova onda”?
Estes são alguns dos novos desafios que gestores e marketeers passarão a enfrentar.
O lado positivo da questão é o de que diversas entidades bem como alguns empresários já tiveram a visão desta nova realidade percebendo que a sustentabilidade poderá constituir um factor de vantagem competitiva diferencial. Alguns cidadãos estão igualmente despertos e valorizam o empenhamento social das empresas, o respeito pelas normas de desenvolvimento, e não só o crescimento económico.
Afinal, não serão a organização social e a vida empresarial justificadas pelo fim último da construção de um mundo melhor e à medida dos cidadãos?

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CAIXA 4 – ALGUNS CONCEITOS

AMBIENTE – Factores naturais locais, regionais e globais que envolvem os seres humanos e a actividade da empresa, por estas não controláveis.

QUALIDADE AMBIENTAL – Maximização da satisfação das necessidades individuais de forma a minimizar os efeitos sobre as pessoas e os recursos naturais. Conceito extensível a “qualidade de vida” e a “bem-estar”, fazendo a ligação entre a pessoa e aquilo que a rodeia.

SUSTENTABILIDADE – Manutenção ou prolongamento da saúde humana e ambiental. Traduz o movimento no sentido da utilização de matérias-primas renováveis, minimizando e eventualmente eliminando os efluentes poluentes e tóxicos e outros desperdícios. Coloca a obrigação moral sobre as empresas envolvidas na exploração de recursos naturais da investigação de alternativas renováveis e sustentáveis.

CONSUMO SUSTENTÁVEL – Consumo diferente e mais esclarecido. Não se trata de consumir menos. Requer alterações comportamentais nos consumidores e nos processos produtivos das empresas.

STAKEHOLDERS – O conceito de stakeholder traduz a ideia que a actividade de uma empresa depende de um conjunto interactivo de entidades e grupos, clientes, accionistas, parceiros de negócio, empregados, comunidade, governo.

MARKETING SUSTENTÁVEL – Conceito de gestão focalizado no objectivo da criação, produção e disponibilização de soluções sustentáveis, com alto valor líquido em termos de sustentabilidade, a par da continuição da satisfação dos consumidores e outros stakeholders.

Fonte: Marketing and Sustainability, Charter, Peattie, Ottman e Polonsky

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Carlos Manuel de Oliveira
Artigo publicado na revista Marketeer, Suplemento sobre Responsabilidade Social
Dezembro 2003