O marketing em Portugal é uma história de sucesso?
O marketing, enquanto tal, só será uma história de sucesso, na medida em que a sua aplicação prática seja traduzida em resultados, nas empresas e nas organizações. Assim, existem bastantes casos de sucesso empresarial em Portugal, no qual o marketing teve um papel crucial. Refiro-me à detecção das melhores oportunidades de mercado, do conhecimento das expectativas, dos comportamentos e estilos de vida, da antecipação das necessidades dos consumidores enquanto seres que interagem com a economia, com a sociedade - pelo que prefiro chamar de “pessoas” e não “consumidores” - da disponibilização de produtos e serviços inovadores e na prática de uma comunicação comercial relevante. Em síntese, na definição do que chamamos as “propostas de valor” adequadas àqueles consumidores. Por isso, é na realidade quase impossível que um sucesso empresarial seja atingido sem uma perspectiva de marketing, porque por absurdo pressuporia uma atitude de cegueira face ao mercado, o que certamente não iria dar bons resultados.
Para dar alguns exemplos, cometendo a injustiça de só mencionar os que vêm de imediato à memória : Super Bock, Sagres, Coral, Frize ou Compal, as operadoras de telecomunicações, o fenómeno Morangos com Açúcar, a YDreams, Delta Cafés, Euro 2004, El Corte Inglês, BES, Renova, Navigator/Soporcel
Qual é o papel da APPM?
Definimos como nossa Missão: “Promover o desenvolvimento do marketing, nas empresas e nas instituições, bem como dos seus profissionais, contribuindo para o desenvolvimento da concorrência, da economia e da sociedade”.
Na prática e no exercício das nossas actividades e iniciativas, tentamos desempenhar um papel de informação e divulgação, apoio à formação e networking entre os profissionais, constituindo um pólo de atracção dos mesmos e exercendo também a sua representação em foros nacionais e internacionais.
Quais as principais iniciativas públicas da APPM?
No que respeita às nossas iniciativas de maior dimensão, salientaria a anual Semana Nacional de Marketing, este ano de 23 a 27 de Outubro, com o seu ponto alto o Congresso Internacional de Marketing, onde se faz anualmente o ponto de situação, nacional e internacional, do “state-of-the-art” das técnicas e das práticas do marketing. Acreditamos, pessoalmente e também pelo feed-back recebido nos últimos anos, que se trata de uma ocasião única no país de entrar em contacto com as novas coisas que se faz em marketing. É de facto “um Congresso”, na verdadeira acepção do termo.
Durante esta Semana existem eventos – Encontros do Marketing - em diversas cidades do pais, em articulação com as universidades. Lamentavelmente, ainda não conseguimos a realização de um na Madeira. Espero que este ano se consiga pela primeira vez.
O Portugal Marketing Awards é outro grande evento, em Março de cada ano, que se traduz na premiação e reconhecimento público, por parte da APPM, daqueles que em diversos sectores da nossa economia têm as melhores práticas e desempenho profissional.
Como nota final, encontramo-nos ao momento a trabalhar numa comissão no âmbito da Confederação Europeia de Marketing (EMC) - organização que agrupa as diversas associações de marketing europeias, de que a APPM é membro e seu representante em Portugal – no domínio do lançamento próximo de um sistema de acreditação e certificação profissional, no âmbito do marketing. Este sistema, poderá vir a apoiar estes profissionais no domínio das suas carreiras e no reconhecimento a nível europeu das mesmas o que, certamente, será relevante em particular para os que quiserem fazer uma carreira que não se confine unicamente nos seus países de origem.
Qual o mercado mais aliciante para se trabalhar em marketing (crianças, adultos, entre outros)?
Julgo que qualquer mercado pode ser aliciante para se trabalhar em marketing, particularmente para aqueles que têm uma perspectiva de insatisfação permanente com a rotina, com o que já está feito.
Um profissional de marketing tem de questionar, no seu quotidiano, o que se passa à sua volta. Como observamos, o mundo está em constante mudança e, numa perspectiva estratégica, a “arte” deste profissional é o de detectar o que está a mudar e qual o seu impacto sobre o cidadão, sobre produtos e os serviços disponibilizados pela sua empresa e pela concorrência.
Acresce que, a globalização das economias, a chamada por alguns de “aldeia global”, requer uma perspectiva de análise universal e não só localizada na área em que a actividade se encontra. Por tudo isto, é fascinante trabalhar em marketing.
No que respeita mais directamente à questão que levanta, depende muito do gosto pessoal de cada um. Certamente que o mercado das crianças é muito interessante, em particular pelo cuidado que se tem de ter no respeito à sua condição própria, nas mensagens a elas dirigidas e também aos decisores, normalmente os pais, em suma pelo conhecimento profundo que se deve ter da psicologia infantil, não infringindo as suas personalidades e integridade daqueles que ainda se encontram num processo de formação, maturação e desenvolvimento psíquico e emocional. Trata-se, então, de um desafio especial.
Qual é o público mais sensível às acções de marketing?
Mais uma vez gostaria de contribuir para o esclarecimento do que se entende quando se fala de “marketing”. A leitura mais corrente e errada – mesmo alguns responsáveis e até políticos por vezes cometem esse erro – é a de que marketing é igual a publicidade.
Ora, o marketing não é só isso. A publicidade e a comunicação comercial constituem uma parte de um todo. O marketing começa, como está parcialmente referido numa das minhas respostas anteriores, com a tentativa de conhecimento das tendências, dos hábitos, dos comportamentos, dos estilos de vida dos consumidores, e também da concorrência.
No que respeita à maior ou menor sensibilidade às acções de comunicação, todos são mais ou menos sensíveis, dependendo da relevância individual do tema, do ambiente, do produto e naturalmente da qualidade/criatividade dessa comunicação.
A maior sensibilidade tem também a ver a eventual ligação/envolvimento que uma pessoa tenha com a marca que está a ser objecto de comunicação. Quanto maior o envolvimento – nalguns casos mesmo emocional – maior será a abertura e a permeabilidade às mensagens transmitidas, assim como a eficácia para a empresa promotora.
Qual é o segmento emergente?
Quase que se poderá dizer que estão a cada momento a emergir novos segmentos e isto porque hoje a segmentação é cada vez mais feita sobre os estilos de vida e os envolvimentos emocionais que as pessoas vão assumindo com as marcas.
De qualquer forma e no domínio da dita segmentação tradicional – baseada na idade, rendimento, sexo, formação, profissão – o segmento dos designados “seniores” está a assumir um papel mais importante. E isto, devido a vários factores, como a diminuição das taxas de natalidade nos países desenvolvidos, o envelhecimento da população, mas a sua maior esperança de vida, a chegada à situação de reformado, nalguns casos mais cedo que o que seria normal devido às reestruturações empresariais e também nalguns casos com um poder de compra superior, como antigos quadros e ainda alterações nos ciclos de vida.
Em alguns países, dependendo da especificidade da sua composição populacional, emergem como segmentos próprios, os baseados em comunidades populacionais de imigrantes. Como exemplo, os hispânicos nos EUA, ou os ucranianos em Portugal. Esta situação coloca novos desafios, não só no respeitante a ofertas dirigidas (caso das telecomunicações), como à utilização da língua e formas de comunicação mais eficazes para cada uma das culturas.
Não se trata isto, naturalmente, de qualquer discriminação, mas sim de se tentar compreender e respeitar culturas próprias, compreender as suas necessidades específicas e focalizá-las como segmentos diferenciados.
Hoje em dia, um pouco por causa da concorrência e das exigências do mercado, uma empresa que não aposte no marketing está condenada ao fracasso?
Sem dúvida. Bem visto se encararmos o marketing na sua perspectiva correcta, global e holística. Isto não significa, necessariamente que estou a dizer que a única hipótese de uma empresa ser bem sucedida é “fazer publicidade”. Repito, marketing não só como prática de gestão, traduzida na comunicação, na actividade promocional, no serviço a clientes, mas também e acima de tudo como estratégia de enquadramento da gestão empresarial.
Assim como em determinados jogos, não se pode “acertar no alvo” se não se fizer “uma boa pontaria”. E o marketing serve precisamente, através dos seus instrumentos e técnicas, para reconhecer correctamente o alvo e ajudar a fazer boa pontaria, para que as organizações atinjam os seus objectivos.
Existe também o marketing pessoal. Acha que os portugueses apostam nessa área?
Para além de eventuais excepções, julgo que se trata de uma das áreas em que estamos bastante aquém de outros países. Há casos claros, por exemplo, nos EUA, na Grã-Bretanha, no Brasil, em que não só toda a actividade de marketing está muito desenvolvida, mas também neste particular o está.
Bem visto que à semelhança do que pensamos e defendemos para o marketing empresarial, não se deverá tratar de vender “o mau” como “bom”. Trata-se de avaliar e encontrar as características distintivas, os pontos fortes, que cada um possa ter, para que as mesmas possam ser potenciadas na relação com os outros.
Há casos bem sucedidos, e mais uma vez insisto na acepção correcta do marketing e não nalgumas abordagens pejorativas, que rejeito, há casos pessoais que se tratam hoje de verdadeiras marcas, de casos de marketing pessoal, devido às suas características próprias, personalidade, profissionalismo, diferenciação e capacidade de comunicação, para além da sua contribuição pessoal positiva para a sociedade e pais onde vivem. Como exemplos, poderia citar pessoas tão diferentes como, Figo, Mourinho, Marisa, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ou mesmo Scolari.
Quando se fala em marketing sustentável e com consciência qual é o principal objectivo?
O objectivo é conscencializar os profissionais de marketing que o resultado das suas estratégias e propostas, se não tiver em conta a sustentabilidade, o respeito pelo meio envolvente e em suma, pelos chamados”stakeholders”, poderá pôr em causa todo o futuro dos cidadãos e da humanidade.
O marketing, como forma de gerir as empresas com ênfase especial no consumidor, tem a responsabilidade – social - de encontrar soluções que satisfaçam e respeitem os agentes económicos e, no caso particular dos consumidores/cidadãos, os seus desejos de consumo imediato, mas também os seus desejos e interesses de uma vida saudável, de qualidade e de futuro para as gerações vindouras.
Há, por outro lado, a necessidade que os consumidores assumam como suas estas preocupações no sentido de virem cada vez mais a optar, quer por comportamentos socialmente desejáveis, quer por decisões de compra de produtos que respeitem o ambiente.
Neste contexto, o papel estratégico daqueles profissionais está na base: da concepção de novos produtos adaptados às atitudes de mudança dos consumidores e de processos de produção ambientalmente menos agressivos; de um pricing adequado a esses produtos e à contribuição da empresa para a sociedade; dos canais de distribuição mais eficientes de forma a minimizar os impactos ambientais criados; das formas de comunicação com o mercado, da imagem e da reputação empresarial.
Como tem evoluído o neuromarketing em Portugal?
Não se pode verdadeiramente falar de uma evolução do neuromarketing em Portugal. Diria, no entanto, que positivamente no que respeita à descoberta desta técnica, ao seu conhecimento, mas tão só no domínio teórico.
Experiências práticas não têm sido realizadas. Aliás, no mundo inteiro só algumas grandes marcas e alguns países despertaram até agora para esta nova forma de “conhecer o consumidor”, como os EUA, a Grã-Bretanha e a Alemanha, de entre um número reduzido desses países.
O Tryvertising é o futuro?
O chamado Tryvertising, em si, não se trata de uma nova estratégia ou de uma nova técnica. Essencialmente, passa por pôr em contacto o consumidor com um produto ou serviço, de uma forma não evasiva, isto é pressupondo a sua acção voluntária de experimentação.
Neste sentido, no que respeita ao interesse da experimentação antes da compra e também da possibilidade do consumidor contactar com o produto quando o deseje e não quando seja “forçado” a fazê-lo, julgo que será mais utilizado no futuro.
Qual é o perfil adequado de um profissional de Marketing?
Quase que seria tentado a dizer que o profissional de marketing deveria reunir o melhor “dos dois mundos”. Deverá ser analítico, critico, inovador, insatisfeito, sem aversão ao risco.
Naturalmente que no marketing existem diversas funções e especialidades que requerem formação específica, mas no geral, em termos de formação-base, deverá ter conhecimentos de gestão, de economia e de comunicação. Claro que a frequência de alguma pós-graduação especializada em conjunto com a experiência profissional farão a conjugação ideal.
Uma coisa é certa. O marketing não é mais para amadores, visto que por vezes se pensa que para trabalhar em marketing basta ser “jeitoso”, ter umas ideias, ou alguém pensar que “não tem jeito para mais nada”.
O marketing é hoje uma disciplina científica da gestão, é uma nova forma de gerir as empresas e as organizações e por isso carece, para o seu exercício adequado, de profissionais bem formados e competentes.
Conhece o que se faz no âmbito do marketing madeirense? Qual a sua opinião?
Confesso que gostaria de ter um conhecimento mais pormenorizado que o que tenho. No que respeita a empresas que estendem a sua actividade ao Continente, claro que o meu conhecimento é superior. No entanto e até devido às características próprias da Madeira, julgo mesmo que se justificaria a existência de uma nossa delegação no território.
Uma tentativa no passado já foi tentada, no entanto não teve continuidade. Espero bem, e não é pelo facto de me ter agora questionado porque já tinha essa intenção anteriormente, que se encontrem as condições para que isso venha a ser possível e que esta entrevista possa fazer eco nos profissionais madeirenses.
Existem alguns temas que designaria por “hot topics” actualmente no marketing em Portugal?
Acho que, de facto existem bastantes. Vou mencionar alguns, mas julgo que cada um deles poderia ser objecto de uma conversa ou entrevista longa, por isso farei pouco mais que uma menção.
- Rentabilidade dos investimentos em marketing – É um tema cada vez premente nas agendas dos profissionais e dos conselhos de administração das empresas. Especialmente em períodos de baixa conjuntura há tendência para cortar as despesas de marketing, interpretando-as – erradamente – como custos e não como investimentos. Mas há que provar que o são, e aqui estão a aparecer diversas novas metodologias de cálculo.
Escolha de agências por concurso – Os nossos parceiros - agências de publicidade – são envolvidos em processos de selecção, trabalhando muitas vezes sob grande pressão e a título gratuito.
Relação cliente-agência – Muitas vezes numa perspectiva de redução de custos, o que é justo, existe um efeito perverso no esmagamento de margens que tem como consequência que, para as agências serem competitivas têm de contratar colaboradores com salários mais baixos, menos experientes, reflectindo-se isto na qualidade final das propostas apresentadas ao cliente.
Marketing experiencial – As marcas começam a compreender que o maior benefício que poderão tirar a prazo das suas relações comerciais, passa pelo envolvimento emocional dos seus clientes. E, para isso, é preciso crias as condições relacionais para que essa situação se concretize.
A criação de Marcas – Tema de grande premência para Portugal, no sentido de aumentar a competitividade, a diferenciação e o valor acrescentado para as empresas detentoras dessas marcas.
Marca Portugal – Depois de muitas inflexões, por parte dos vários governos nas últimas décadas, é necessário implementar uma estratégia de marca-país clara que incorpore características distintivas destes e pressuponha uma visão de futuro. O que queremos ser? Como queremos ser percebidos, em Portugal e no exterior? O pais das praias? O país da tecnologia? E depois, prosseguir politicas que vão de encontro a esse novo posicionamento.
Tudo isto, para que as marcas comerciais e a iniciativa privada, possam ser alavancadas, no sentido de lhes ser acrescentado valor, pela origem-país e não lhes ser reduzido, como acontece muitas vezes na actualidade.
Marketing/Serviço cliente – É necessário continuar a evoluir positivamente no que se refere ao serviço-cliente. É importante ter um marketing agressivo, mas é necessário que as promessas nele implícitas se concretizem na qualidade dos produtos e dos serviços, na qualidade do serviço, no valor para o cliente e para o accionista.
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