Wednesday, February 09, 2000

CRM e estrategia global de negocio

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CRM e estratégia global de negócio

Actualmente, não será já mais possível haver um encontro em que o marketing em particular, ou a gestão em geral, estejam em foco, em que não se aborde o tema do Customer Relationship Management.
É curioso referir que embora estes conceitos só se tenham vindo a projectar recentemente, nada ou muito pouco se alterou no respeitante aos conceitos-base e à essência do marketing:
“Conhecer os clientes e as suas necessidades e disponibilizar-lhes uma oferta que os satisfaça e dê resposta aos seus interesses, atitudes e estilos de vida”.
Ou, como referem os Anglo-Saxões:
“Who’s the customer? “What’s the offer?”

- Mas, então, qual a razão do especial enfoque que esta problemática tem recentemente vindo a ter?
- Como se enquadra o CRM numa estratégia global de negócio?

Sabemos que, nas duas últimas décadas, processaram-se alterações significativas, a nível económico, social e tecnológico.
Se tomarmos o lado da oferta, no âmbito dessas alterações - potenciadas pela desregulamentação de alguns mercados e actividades - tem-se registado um elevado aumento da concorrência, pela criação de novos palcos competitivos, um ambiente promocional forte e pelo acesso a novas tecnologias de comunicações e de informação.
Do lado da procura, os consumidores estão cada vez mais informados, são cada vez mais exigentes e menos fiéis.
Em consequência, as empresas tendencialmente vêm as suas margens reduzidas, sendo que o custo de captação/angariação de um novo cliente é igualmente cada vez mais elevado, nalguns casos referido como o quintúplo da retenção de um cliente existente. Por outro lado, verifica-se que normalmente, e do lado dos proveitos, o resultado por cliente tende a elevar-se ao longo da vida de relação com o mesmo.

Não resta então, outra alternativa que não passe pela maior focalização nos clientes existentes, na relação individualizada com cada um deles, em suma pela prática de um dos outros princípios do marketing “tratar clientes – que são diferentes – de uma forma necessariamente diferente”, criando as condições para uma crescente satisfação e decorrente fidelização e lealdade à empresa.
Este processo é, contudo, atingível por etapas, desde a satisfação até à lealdade. A fidelidade e a lealdade do cliente é algo que se tem de construir ao longo do tempo e não decorre, necessária e imediatamente pelo facto do cliente poder estar eventualmente satisfeito com o produto ou com o serviço.

Como refere Jill Griffin, no seu livro "Customer loyalty: how to earn it, how to keep it" , publicado em 1995, em Nova Iorque, existem oito etapas ou estádios que o cliente poderá atravessar na relação com uma empresa: suspeito, prospecto, cliente primeiro utilizador, cliente repetente, cliente, membro, advogado, parceiro.
A arte consistirá na empresa gerir as acções tendentes a que o potencial cliente atravesse cada uma das fases, de forma a progressivamente solidificar a relação com a empresa:

- Suspeitos - aqueles que poderão teoricamente consumir o produto. De entre estes deverá a empresa determinar quais osque poderão ser considerados prospectos.
- Prospectos - aqueles que terão um interesse potencialmente elevado por aquele produto. De entre estes haverá que eliminar os que poderão não ser interessantes para a empresa, em virtude do seu risco ou potencial reduzida rentabilidade previsional.
- Primeiros utilizadores - aqueles que dentro dos anteriores prospectos, a empresa terá conseguido converter em primeiros utilizadores.
- Clientes que repetem a compra - mas que continuam a comprar das empresas concorrentes.
- Verdadeiro cliente - o que opta por comprar na empresa e deverá, em consequência, ser objecto de um tratamento especial.
- Membros - o novo desafio potenciado pela criação de um programa de fidelização que atraia e desenvolve o interesse do cliente pela fixação da relação.
- Advogados - aqueles que entusiasticamente recomendam a empresa a outros.
- Parceiros - aqueles que entendem os valores da empresa como seus e estão interessados em trabalhar em relação estreita e de parceria com a empresa, aportando-lhe as suas sugestões e ideias.
A fidelidade – a conquista dos membros - assumirá, assim, um estado superior da relação, o qual será maximizado quando o cliente atingir a fase que designaríamos por lealdade: os advogados e parceiros. Um cliente leal, será aquele que assume como seus os valores da marca e que os defende perante os seus eventuais delatores.
O alargamento das novas formas de acesso do cliente – em particular através dos canais interactivos (Internet, Televisão, Quiosques Multimedia) – em que este pode tomar opções sem um contacto directo pessoal com o prestador de serviço - obriga a uma atenção especial na forma e no conteúdo como é apresentada a oferta, em especial para os clientes com repetição de compra.
Poder-se-à dizer, que a um tradicional mercado de oferta, no qual todos os esforços são concentrados nas actividades de pré-venda e de venda, se irá cada vez mais suceder um mercado de procura, em que o consumidor sendo confrontado perante uma dada oferta, flexíval e customizável, é ele que muitas vezes sem uma influência, física e pessoal, do vendedor toma a decisão de compra.
O alargamento das formas e opções de contacto conduz igualmente à necessidade de se dispôr de um sistema de informação global e integrado, que reflicta todos os contactos havidos, através da referida multiplicidade de canais de acesso: o contacto pessoal na loja, o contacto telefónico, a resposta ao mailing enviado, a operação efectuada através da net.
Alguns operadores, como é sabido, têm vindo a disponibilizar um serviço ao cliente que reflecte, não só as transacções anteriormente efectuadas, mas o perfil detectado das respectivas preferências.
Procura-se, desta forma, criar no cliente a percepção que ele não é unicamente um anónimo dentro de um milhar de outros, mas um cliente específico que tem determinados gostos e interesses, relativamente diferenciáveis.
Dando um exemplo, já hoje "clássico", qualquer cliente da Amazon.com tem as suas preferências identificadas, assumindo claramente esta empresa o conhecimento da relação anterior e o aconselhamento de determinados tipos de produtos, atendendo àquele referido perfil detectável através da relação tida ao longo do tempo. Outros exemplos poderiam ser dados, como a Dell Computers, a American Airlines, a cadeia de hotéis Marriott.
Complementarmente, e no mesmo sentido de gerir a relação e a lealdade do cliente, várias empresas têm procedido ao lançamento de programas de fidelização e de clubes, premiando e recompensando a frequência de utilização: companhias aéreas, gasolineiras, bancos e emissores de cartões de crédito, cadeias hoteleiras.
Mas, para ganhar a lealdade do cliente, é necessário que este sinta uma forte confiança e uma forte relação de serviço da empresa com que se relaciona.
Neste sentido trata-se, de certa forma, de gerir a "relação emocional" com o cliente que, numa perspectiva figurativa, se traduz numa ponte com sentido bi-direccional, através da qual se projectam mensagens motivacionais, tendentes a desenvolver e a aprofundar os laços bilaterais dessa relação.
Com o passar do tempo, e à medida que a relação se desenvolve e intensifica, será possível criar um maior ajustamento às necessidades e atitudes dos clientes e tornar mais relevantes as mensagens entretanto trocadas.
A construção da lealdade dos clientes passa pela tentativa de retenção dos clientes certos, pela maximização do valor actual da relação numa óptica de investimento, pela antecipação e, se possível, eliminação das causas de abandono e pela conservação dos clientes actuais, através de acções dirigidas e personalizadas.
Uma eficaz gestão da relação com o cliente pressupõe uma resposta uniforme e coerente da empresa em todos os momentos da relação, pressupõe uma adequada gestão individualizada do cliente (ou, como refere Don Peppers, de um “marketing-one-to-one”).
Por outro lado, a alteração dos comportamentos-tipo dos consumidores, leva a que se tenha de atender à multiplicidade de escolhas que este efectua, por vezes em função dos diferentes ambientes em que está inserido e do respectivo contexto (ou, como refere Dubois, do novo “marketing situacional”.
Um quadro superior de empresa frequentará certamente os melhores restaurantes da cidade, vestirá no seu dia-a-dia algumas das mais caras, clássicas e conhecidas marcas, viajará em classe executiva, mas provavelmente também irá comer com os seus filhos ao McDonalds, viajará de avião com a família algumas vezes em classe económica e usará roupa desportiva nos fins-de-semana.
No domínio da gestão da relação e, em particular, nos EUA, algumas empresas financeiras começaram já a pôr em prática políticas de retenção devidamente individualizadas, atendendo ao valor económico e ao risco dos clientes, procedendo a ofertas personalizadas àqueles cujo risco de abandono é mais elevado e cuja potencialidade de relação rentável com a empresa é mais elevado.
A possibilidade de uma eficaz prática de CRM, obriga igualmente a empresa a dispôr, não só uma óptima preparação da equipa de vendas, da equipa de contacto, de instrumentos de suportes de informação adequados mas igualmente de uma própria estruturação da empresa numa óptica de pensar cliente.
Alguns erros têm, contudo, sido cometidos:
- Aproveitar as oportunidades de contacto não significa aproveitar a potencialidade dos novos instrumentos de informação sobre o cliente e, com um objectivo de cross-selling, tentar vender até ao limite, os produtos que o cliente tem da empresa, não tendo em atenção se isso corresponde, de facto, ao interesse do cliente.
- A prossecução de objectivos de vendas de curto prazo é muitas vezes incompatível com objectivos de fidelização, os quais são seguramente de médio/longo prazo.

A implementação de uma estratégia de CRM, passa pela prossecução sistemática e permanente de uma dada metodologia que se traduz em:
- Identificar e Diferenciar os clientes (necessidades, hábitos, atitudes, preferências)
- Ouvir e Interagir com eles (disponibilizar acessos alternativos com uma estrutura de preço decorrente dos custos do serviço e do respectivo valor acrescentado). Cada novo contacto deverá reflectir a acumulação bilateral de conhecimentos anteriores
- Ajustar a Oferta a cada um deles

Em termos práticos, em suma, a possibilidade de executar uma tal política obriga a:
- Um conhecimento das características de cada cliente, no domínio das necessidades e interesses e no domínio comportamental, facto que permite a disponibilização de uma oferta única e diferenciada, porque ajustada a cada um.
- Um conhecimento efectivo e disponível a cada momento, do historial da relação do cliente com a empresa, o qual através de uma análise das transacções efectuadas e do comportamento expectável, conduza à determinação de um determinado modelo de relação
- A disponibilização, à área comercial da empresa, de uma oferta flexível e susceptível de adaptação aos interesses de cada cliente
- A disponibilização de um Sistema de Informação de Marketing que permita:
- Conhecer o cliente e o valor actualizado estimável da relação ao longo do tempo (lifetime value)
- Indiciar comportamentos
- Despoletar momentos de contacto
- Transformar os contactos em oportunidades de venda
- Recolher o feed-back e assegurar uma atitude e um serviço pós-venda compatível com as expectativas do cliente.

…através de direct mail, e-mail, web sites, call centers, database software etc.

Mesmo sem ter nada estudado de marketing os nossos comerciantes ancestrais, sempre souberam da importância de reter o cliente através de uma atitude relacional, naturalmente compatível com os seus meios e conhecimentos.
A evolução dos tempos levou contudo à impossibilidade de pôr em prática – pelo menos nos grandes espaços e nos grandes aglomerados populacionais – essa forma de relação, baseada muito no conhecimento empírico e individual da parte do vendedor ou do prestador do serviço.
A existência dos grandes espaços comerciais e relacionais, físicos ou virtuais, e a aparente impossibilidade de continuar a oferecer um serviço personalizado ao cliente, criou a necessidade do desenvolvimento de soluções técnicas, designadamente no domínio dos sistemas de informação.
Neste sentido, as novas soluções de CRM permitem deter uma visão individualizada do cliente, possibilitando a adequação de um serviço, com base num sistema de informação integrado, o qual embora “industrializado”, é customizável no momento de contacto com o cliente.

Uma estratégia bem sucedida de Gestão Relacional do Cliente terá de ter como consequência que todos os interventores sejam ganhadores:
- Cliente – Ajustamento do serviço. Satisfação.
- Empresa – Fidelidade do cliente. Melhores resultados no médio/longo prazos

CRM, de alguma forma e sem qualquer acepção perjorativa, a “reinvenção da mercearia” ou a “mercearização do supermercado”.
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Carlos Manuel de Oliveira
Conferência sobre CRM, Lisboa, CCB
9 Fevereiro 2000