Sunday, May 19, 2002

Entrevista a Ideias e Negocios

ENTREVISTA à revista IDEIAS e NEGÓCIOS
efectuada por GERALDINE CORREIA

1- Em que medida é que uma crise pode ser uma oportunidade em termos de marketing? Que iniciativas podem ser tomadas, no quadro de PME ou franchising, para aproveitar este momento?


Em tempos de crise, particularmente em conjunturas desfavoráveis no que respeita ao crescimento económico, e tanto mais quanto estas se prolongarem no tempo, há uma tendência natural para as empresas fazerem um esforço de redução dos seus custos operativos. Em consequência, também geralmente são reduzidos os orçamentos de marketing e, em particular, de comunicação.

Concordo que, num ambiente de estagnação temporária ou mesmo de recessão, as empresas têm de se re-equacionar e reflectir sobre as suas estruturas produtivas e as suas condições de exploração. Contudo, julgo também que, estas conjunturas constituem uma oportunidade única no que respeita a estas análises terem subjacente uma visão de marketing que permita trazer para o centro das atenções temas como, a relação da empresa com os seus clientes, a adequação das suas ofertas ao mercado em geral e aos seus clientes em particular, o valor que lhes é oferecido e as suas decorrentes capacidades concorrenciais. Em suma, a oportunidade para a racionalização das estratégias globais de gestão, da oferta e de campanhas a efectuar.

Em termos de comunicação, estes momentos são em geral propícios a uma menor saturação de mensagens comerciais e publicitárias, pelo que um investimento comunicacional – de marketing – adequado e bem dirigido, poderá trazer resultados bem melhores que os obtidos noutras ocasiões.

Bem visto que não podemos generalizar, pois temos de atender às diversas situações concretas do mercado, ao sector de actividade e ao produto ou serviço em causa e à própria situação financeira da empresa.

Portanto, sintetizando, julgo que em situações de baixa conjuntura, as empresas deverão encarar como uma boa oportunidade o encetarem uma nova dinâmica e encararem os investimentos em marketing como uma forma de vencerem elas próprias a crise e darem um salto qualitativo quanto aos seus objectivos e aos seus resultados.

No que respeita às PME, penso que não haverá nenhuma “receita” especial que divirja do que apontei. No entanto, sabemos que muitas destas têm maiores debilidades que as empresas de maior dimensão, em termos organizativos e financeiros decorrentes de uma maior dificuldade em terem os meios necessários, técnicos e humanos, para aproveitar estas oportunidades. Naturalmente, que há honrosas excepções.

Notamos muitas vezes, a nível dos eventos que a APPM organiza a presença, que saudamos, de muitos responsáveis de PME’s que procuram encontrar acesso a mais informação e ao conhecimento e contacto com alguns dos responsáveis pelas melhores práticas do mercado. De facto, é necessário que estas empresas se equipem com o know-how necessário para que, numa perspectiva correcta encarem os seus mercados e os seus reais e potenciais clientes, para que – numa perspectiva de marketing, isto é, equacionando os interesses e necessidades dos seus clientes e adaptando-se continuamente a eles - encontrem a forma de conduzir as suas empresas ao sucesso.

No que se refere ao franchising, as oportunidades poderão ser ainda maiores, visto que como sabemos há, na maioria dos casos, uma proposta de valor bem posicionada no mercado e alavancada por investimentos publicitários das “casas-mãe”, ou do franchisador global ou local do negócio.


2- Que casos recentes de fracasso e sucesso citaria no marketing?

Em rigor, um caso de sucesso do marketing deverá ser avaliado pelas consequências positivas que uma dada estratégia, ou uma dada campanha provoca ou contribui, no curto ou no médio prazo, para os resultados mensuráveis de uma empresa. Por exemplo, mesmo que os objectivos de uma dada campanha possam não ser unicamente, no curto prazo, o aumento das vendas ou da quota de mercado, exige-se que, no médio prazo, se produza um efeito positivo nos seus resultados.

Coloca-se aqui uma outra questão – só aparentemente contraditória com o que referi - que é a de os resultados de marketing, aqui entendidos como de uma campanha, poderem não ser o de um imediato impacto sobre os resultados, nomeadamente, os financeiros.

Sabemos, hoje, contudo que para consolidar resultados a prazo mais longo, é necessário muitas vezes investir em campanhas de posicionamento ou de re-posicionamento, de imagem ou de aumento de notoriedade. Assim, teremos de ter cuidado em definir muito bem os objectivos de cada acção, para que particularmente a nível da gestão de topo, não se produzam frustrações ou más avaliações do resultado atingido pelas mesmas.

Tendo como pano de fundo estes pressupostos não fugirei, no entanto, em responder à sua pergunta tendo como condicionante o poder não dispor de informação suficiente – pública – para fundamentar alguns dos casos que irei referir. Centro a minha atenção no passado recente, mais marcadamente no último ano.


Como sucessos:
Na área das telecomunicações, a TMN, com todas as dificuldades que a empresa pudesse ter tido, tem prosseguido uma aturada estratégia de marketing que a levou à liderança no mercado da telefonia móvel, apesar de se confrontar com um fortíssimo – e mesmo, em meu entender, verdadeiro “case-study”, concorrente directo.

Por outro lado, uma aparente correcta estratégia de segmentação da Telecel/Vodafone, tem-na colocado num lugar de destaque, a nível do sector, apresentando campanhas inovadoras e propostas de valor dirigidas a targets específicos, como é o caso do Yorn. Igualmente esta empresa, conheceu em 2001 uma fase de alteração do seu nome, da sua marca, em Portugal o que não parecia tarefa fácil, após a notoriedade de alguns anos que a marca Telecel teve, a ponto de, como é sabido, os próprios terminais, ou o serviço genérico de telefonia móvel ser em muitos casos identificado com aquela marca. Muita gente falava de “um telecel” referindo-se ao seu móvel, qualquer que fosse o operador com o qual tinha contrato.
Pensamos, assim, que a campanha internacional desenvolvida e o posicionamento implícito, terá resolvido uma questão de marketing que é sempre bastante complexa.

Três outros casos gostaria ainda de referir: Guaraná, BES e Swatch.
Quanto ao primeiro, o do Guaraná, entendo como genial a solução encontrada e, julgo que pela primeira vez experimentada por Jardel, na t-shirt interior, após a marcação de um golo, “Será do Guaraná?”. Sabemos que o meio do desporto e, particularmente, quer gostemos ou não, do futebol, é um meio com um poderosíssimo impacto nas massas.
Curiosamente, numa época em que quase obrigatoriamente pensamos que só as grandes e inovadoras soluções tecnológicas trazem um impacto significativo nos novos media e em consequência nas pessoas, surgem ideias, que reforço, brilhantes e contudo simples que, indiscutivelmente têm e terão certamente para a Antártica um elevado impacto sobre as vendas.

O caso do BES. Como sabemos um banco tradicional, num mercado bastante competitivo e inovador. Para já, de salientar, a rápida e ganhadora penetração nas ditas novas tecnologias e novos canais de distribuição, perante alguns concorrentes com imagem bastante mais inovadora no mercado, o que o terá em poucos anos conduzido a uma liderança nesta área do mercado, apesar da sua dimensão mais reduzida perante outras instituições financeiras, como os grupos CGD ou BCP.
Em termos institucionais, de salientar o inteligente reposicionamento de imagem, através da assinatura “Quem sabe, sabe e o BES sabe”. Um excelente aproveitamento da ponte entre uma existência secular de serviço no sector e a capacidade de inovação que lhe permitiu a referida posição de relevo nas novas tecnologias. De salientar pela positiva, a actual campanha institucional, pela inovação a nível dos conteúdos e da forma, das soluções apresentadas.

A campanha da Swatch por uma escola em Timor. Uma causa meritória teve a resposta merecida por parte dos consumidores. Em muitos dos estabelecimentos que comercializam os produtos desta marca, o modelo em causa ter-se-à esgotado temporariamente ao fim de alguns dias, o que revelou o sucesso da iniciativa. Neste caso, o sucesso efectivo é traduzido pela escola que foi de facto edificada em Timor e que é, aliás, objecto de campanha actual da marca.



O tema dos fracassos.
É sempre um tema difícil e que, particularmente, em Portugal parece que ninguém gosta de tocar, muitas vezes até por ausência de informação. Todos concordamos que se aprende com os fracassos, mas parece que nunca ninguém sabe quais são e, mais, ninguém é responsável por eles. No entanto, irei arriscar algumas respostas, talvez mais “pacíficas”, mas que as refiro por pensar que poderão ser também sintomáticos de deficiências a nível das estratégias de marketing.

O casos das telecomunicações e das dot.com. Sempre que se fala neste tema, refere-se como factor determinante, quase único, o problema existente ou a má situação dos mercados de capitais, após o início desta década. Bem, deveremos também especular onde, muitas vezes, se encontrará a causa ou a consequência.

Não vou ignorar as conjunturas depressivas que as economias têm vivido, em particular nos últimos dois anos. Contudo, atribuo ao que se passou no domínio destes sectores, internacionalmente e em Portugal, um factor quanto a mim bastante – talvez mais – explicativo deste “falhanço”, um claro problema de marketing, uma clara sub-estimação dos interesses, expectativas e decisões dos consumidores, quanto a alterações de comportamentos, nem sempre tão rápidos quanto nós nas empresas gostaríamos, perante novos estímulos para os quais o sucesso pressuporia profundos impactos e alterações nos referidos comportamentos.

A realidade revelou que o efeito lúdico que a compra na loja ainda tem para a maioria dos consumidores, não é de imediato substituível por uma compra através de um qualquer canal remoto. Não quero subestimar – bem pelo contrário as admiro – as novas e, por vezes, confortáveis soluções para o utilizador introduzidas a este nível nos últimos anos contudo, terá sido nitidamente subestimado ou não compreendido, que não basta introduzir soluções, em absoluto, inovadoras e esperar que, de repente, se processe uma adesão imediata de todos ou da maioria dos consumidores. Se isto tivesse sido feito a priori, certamente que o tempo estimado para a recuperação dos investimentos a efectuar teria sido nitidamente superior. Este facto, conjugado com a depressão dos mercados de capitais, levou à não disponibilidade de recursos financeiros que tivesse permitido um re-escalonamento das dívidas e os “balões de oxigénio” necessários a estender no tempo as necessidades de financiamento decorrentes dos mais baixos cash-flows que os inicialmente previstos, gerados pelas empresas que actuavam nesta área.

Ainda em particular, em Portugal, na área das comunicações móveis fixas, o caso do desaparecimento de algumas empresas, como a Maxitel, ou Teleweb, que terá sido devido também, pelo menos em parte, à não compatibilidade do número de operadores que então surgiu, doze, treze, se bem me recordo, com a dimensão do mercado português e a elevada capacidade concorrencial dos designados como incumbentes, caso da PT.

Gostaria finalmente de salientar como eventual fracasso ou, no mínimo, ainda não suficiente capacidade de concretização, das práticas de marketing individualizado, do chamado “one-to-one”, ou marketing relacional. Na realidade, a maior parte das empresas embora muito falando dele, ainda o não pratica de uma forma sistemática e integrada, no domínio dos diferentes canais de distribuição e da informação, não registando e relacionando “inteligentemente” os diversos momentos de contacto com os seus clientes, acumulando experiências e conhecimentos daqueles, que permitiriam a essas empresas assumir uma relação mais dirigida, personalizada, relevante e eficiente.

3- Em que medida é que se podem aplicar receitas de grandes multinacionais em pequenas empresas?

Julgo que se deverá aqui aplicar uma resposta “clássica” possível para uma questão deste tipo. Quero dizer, se um doente é curado de uma dada doença por um determinado medicamento, isso não significa necessariamente que o mesmo medicamento sirva de cura a doença idêntica, mas de outro doente. Como dizia um médico meu amigo “não há doenças, há doentes”.

Aplicando aqui o mesmo raciocínio, para além dos naturais ensinamentos que se deverão tirar dos casos de sucesso, deveremos ter sempre muito cuidado em replicar receitas de sucesso de uns para outros casos e, em particular, para sectores, mercados, regiões e empresas, que terão certamente especificidades próprias, enquanto entidades com características diferenciadas envolvidas em ambientes não totalmente idênticos.

As pequenas empresas terão de ser capazes de auto-encontrarem características próprias que lhes permitam um exercício de diferenciação perante os seus concorrentes, a nível do produto que fabricam, do serviço que prestam, da forma como comunicam com os seus clientes e com o mercado, das formas de distribuição e do acesso que aqueles têm aos seus serviços.

Pensando, mesmo que grosseiramente, que por vezes parece que no séc. XXI já “está tudo inventado”, assim não o é, pois para além do muito que se diz ou que se lê, há também e, em particular, no domínio dos serviços ao consumidor também um longo caminho a percorrer.
Poder-se-á comprar uma viagem em qualquer agência de viagens, mas quantas delas nos sabem dar as informações que muitas vezes queremos, se diferente dos horários, dos preços ou das estrelas de hotéis ou de transportes, que todas elas naturalmente têm?

Acredito, assim, que para além do aplicar de receitas idênticas às grandes empresas ou multinacionais, as PME deverão procurar uma especialização que lhes seja favorável, em termos dessa referida flexibilidade e um esforço de conhecimento das regiões, comunidades e pessoas que constituam o seu núcleo de desenvolvimento do negócio.


4- Que tipo de acções existem para dinamizar um negócio do tipo franchising numa comunidade local, através do marketing?

Provavelmente, não haverá uma especificidade tal do franchising, neste domínio, que justifique o desenvolvimento de estratégias de marketing específicas numa comunidade local, diferentes de outras empresas de idêntica dimensão. O franchising tem, por outro lado, características próprias que contemplam a possibilidade do aproveitamento de economias de escala, de produção, informação e comunicação, enfim de marketing, típicas de uma grande empresa e das especificidades dos franchisados, normalmente empresas de dimensão mais reduzida.

Existem regras bem definidas da marca e da entidade franchisadora que parecem limitar a flexibilidade de actuação local, contudo constitui mesmo uma regra de algumas marcas, a permissão e mesmo o incentivo ao desenvolvimento de processos de integração com as comunidades locais e com os gostos dos cidadãos no território em que os franchisados se encontram localizados, como a extensão e adaptação da oferta, como faz a McDonald em vários países, ou apoio e patrocínios a iniciativas de carácter social ou humanitário, a nível dessas mesmas comunidades, apòs a identificação de interesses, eventos e valores locais mais relevantes para essas comunidades e para os respectivos cidadãos.

Assim, há que conhecer bem o ambiente em que estes operadores se inserem, de forma a poder corresponder aos diversos interesses locais e assim, por um lado cumprir o papel social que as empresas deverão também prosseguir e, por outro, reforçar a imagem e a relevância da marca junto dos consumidores locais.


5- Como é que uma marca pode delinear estratégias de marketing directo no bairro em que se insere o seu negócio em franchising?

É com agrado que registo esta sua pergunta, pois sou um dos mais fervorosos adeptos em trazer para a primeira linha das estratégias de marketing, os instrumentos ditos de marketing directo ou, numa perspectiva mais genérica, de marketing relacional.

É do interesse fundamental das pequenas empresas o conhecimento, o mais pormenorizado possível, dos cidadãos que habitam, trabalham ou circulam na área de influência e de atracção dos respectivos estabelecimentos que detêm. Quer a nível da comunicação conducente à notoriedade da marca e do estabelecimento junto desses potenciais consumidores, quer a nível da atracção dos mesmos e da promoção de vendas, há um vasto papel que o marketing poderá e deverá assumir.

O melhor conhecimento possível desses cidadãos – preservando-se a natural desejada privacidade dos mesmos – conduz à redução dos custos e a uma maior personalização no contacto, para além de possibilitar ainda uma maior relevância da mensagem, desde que baseada numa relação já existente (programas de promoção e de fidelização customizados baseados em conhecidos perfis de interesses) ou no domínio dos “prospects”, no conhecimento prévio existente quanto às suas características sócio-demográficas.
Assumem aqui particular importância os sistemas de geo-marketing, a informação existente a nível dos correios e as bases de dados disponíveis. Sabemos de situações em que algumas empresas chegam a conhecer o perfil dos moradores, numa dada rua e, mesmo num determinado prédio e andar.

Julgo que há neste domínio um ainda grande caminho a percorrer, quer pelas grandes empresas quer, em especial, pelas pequenas e médias, estas naturalmente as que operam em termos de franchising. Um vasto caminho, mas também uma grande oportunidade para estas últimas, pela sua maior possibilidade de adaptação e flexibilização perante os referidos interesses, valores e eventos de relevância local e pessoal.

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Carlos Manuel de Oliveira
Presidente da APPM
19 Maio 2002